sábado, 16 de dezembro de 2006

inventado sem título

Gritou, espernou, chorou, destruiu tudo ao seu redor antes de começar a destruir a si mesmo. Começou a se mutilar, pedaço por pedaço, até que sobrasse apenas o único motivo de tanta revolta: aquela alma triste e culpada que se tornara pesada demais para ser suportada.

Começou pela sala. Rasgou o estofado do sofá, quebrou a armação que o sustentava, fez migalhas daquela espuma, jogou a TV pela janela, quebrou todos os porta-retratos, rasgou os retratos; rasgou as verdades, os sorrisos, o mundo bonito que já não existia mais. Correu por todo o lugar marretando as paredes, pulou na cama até que esta cedesse, jogou o computador na parede, pisou no que sobrou. Quebrou os vasos, quebrou as flores, quebrou as janelas. Quebraram-lhe o coração, quebrou o braço e agora quebrava tudo o que fazia aquele breve sinal de vida que já tinha partido há muito tempo, presente.
Não queria, não entendia, não suportava. Passou o dia fazendo com que o mundo ao seu redor desabasse assim como o seu mundo tinha desabado séculos atrás. Já não podia mais com tudo aquilo.
Toda aquela bagunça terminou bem onde começou. Dentro de si.
Debaixo da pele e dos músculos, incrustrado nos ossos, estavam seus pecados que ficavam mais pesados a cada segundo. E parecia que cada segundo trazia consigo um silêncio tão grande e insuportável que outro segundo só viria depois que a Terra acabasse e surgisse novamente. Já não podia ficar em pé. Já não podia falar. Mal conseguia ouvir e não enxergava mais.
Foi ali, caído, calado e cansado que a vida que já não existia mais foi embora.
O que sobrou nem sequer podia ser visto. Se tornara tão pouco e tão pequeno, que passou a ser nada.
Nada, no meio daquele lugar, pagando com a sua vida pela vida que tirou.
Fez-se silêncio. Tudo parou.
Foi assim que a dor acabou.