terça-feira, 30 de janeiro de 2007

pai? acho que não

Ainda questiono porque eu o chamo de "pai". Mesmo não sendo verdade, é como um apelido que uma pessoa ganha e que, por mais que as coisas mudem, a pessoa continua com aquele apelido.
"Pai", porque um dia foi isso que ele foi.
Hoje foi o dia da audiência que meu pai - ou não - marcou para decidir que fim teriam a casa e o carro (que estão no nome dele, mas quem mora na casa e usa o carro somos eu, minhas irmãs e minha mãe).
Eu não queria, eu juro que não queria, encontrar com ele. Mas eu acabei indo porque eu queria estar perto da minha mãe, para comemorar ou para chorar, não importava. Eu só queria estar perto dela.

Não queria admitir, mas suponho que devesse estar estampado na minha cara que eu estava nervosa. Não saberia explicar exatamente o porque.
Aí chamaram a minha mãe e eu não podia entrar - sim, porque (felizmente) eu não era parte do processo. Imagina que metade minha ficasse com meu pai? Ou que minha mãe tivesse que pagar para ficar com as duas partes? Preferi esperar do lado de fora mesmo.

Abracei minha mãe, dei um beijo, sussurrei "boa sorte" no ouvido dela. Quando me virei, pude ver - ainda que totalmente fora de foco, mas a menos de 20 centímetros de mim - o meu pai passando do meu lado. Daquele jeito dele, como se não fizesse quase 3 anos que ele não me visse e como se eu fosse qualquer estranha com quem você cruza na rua todo dia.

Confesso que já fazem quase 5 anos que ele deixou de ser meu pai; abriu mão disso como se isso fosse possível. Mas mesmo assim, mesmo depois de tanto tempo e eu tendo consciência de que ele não faz questão nenhuma de ser pai de ninguém, ainda fico chateada. Ainda me dá vontade de chorar e eu ainda não me conformo.
Às vezes eu paro para pensar. Se eu tivesse um filho, eu nunca ia querer largar dele - isso aconteceria inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde. Mas eu não iria querer perder por nada nem um segundo do tempo que pudesse passar com ele, conviver com ele, vê-lo crescer. Como, de repente, alguém decide que aquelas pessoas que ele - bom, eu não sou um "bebê de proveta" - colocou no mundo não representam nada?
E ele passou por mim como se eu não fosse ninguém. Não consigo acreditar nisso e nem digerir essa cena. Vai ficar na memória.

[Pela primeira vez admito que é difícil falar. Confesso que , mesmo não sendo fácil falar dos nossos problemas pessoais, eu sempre dei um jeito. Mas dessa vez as palavras parecem ásperas demais. Bom, continuarei tentando. Veremos no que dá.]

Meu pai cresceu sem pai. Aposto que nada na infância dele foi fácil. Quando alguma coisa acontece comigo e eu acho injusta, intragável ou simplesmente não gosto - por razões que até desconheço, mas sinto -, eu me disponho a fazer ser diferente. Para mim, se possível, mas para os próximos. Será que meu pai, perante todas as dificuldades que ele enfrentou (e que acho que não foram poucas) se propôs a fazer de tudo para que com os filhos dele as coisas não fossem tão difíceis? O que aconteceu com aquela vontade de mudar e fazer ser diferente, fazer ser melhor?
Por que de repente o primeiro cara que me pegou no colo e jurou me proteger e fazer de tudo por mim passa do meu lado como se eu nunca tivesse existido?
Eu sou a última chance dele fazer ser diferente, fazer ser melhor, e - veja só - eu nem sequer existo! Como se explica isso? Seria aceitável, de alguma forma?
Como será que ele se sente ao pensar que um dia ele vai morrer e que as pessoas que ele ajudou a se tornarem reais nem sequer irão ao seu enterro? Como será que ele se sente tendo perdido todas as risadas, todos os choros, todas as piadas, os problemas, as brigas, as soluções, os sorrisos, os abraços, as conquistas e as quedas dos últimos 5 anos? Será capaz de sentir alguma coisa com exceção daquele egoísmo doentio que vi no corredor?
Ainda que eu saiba que ele é quem mais perde nessa história toda, tenho vontade de chorar. Mas acho que não me preocupo.
Não me preocupo já que a causa do meu choro é saber de tudo o que ele perde e ainda que eu odeie a maneira como ele me criou quando me criava, querer que de alguma forma, as coisas fossem diferentes.
Eu tenho consciência de que tudo o que ele está perdendo vai muito além de uma casa ou um carro. São coisas que ele nunca vai recuperar, por mais que queria. São coisas importantes de verdade e que fazem a diferença. São as chances que ele tinha de fazer ser diferente. De se tornar diferente, de se tornar melhor e, consequentemente, feliz.
Apesar de tudo, posso dizer que se um dia ele viesse me pedir ajuda, eu não recusaria. Ainda que não o fizesse de coração - sim, porque afinal de contas, eu sou humana e não sou burra; sei que uma hora eu vou cansar de chorar e meu coração não vai mais se importar se ele passar reto por mim -, faria.
Sabe porque?
Porque eu fui criada pela minha mãe.
Melhor coisa que me aconteceu.

Lamentem por ele, assim como eu também lamento. De verdade.