quarta-feira, 27 de junho de 2007

capitães da areia

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Já faz alugm tempo que li o livro e que disse que depois comentaria sobre ele aqui no blog.
Antes tarde do que nunca? Talvez.
De qualquer maneira, cá estou.
Minha intenção inicial era falar do livro, mas terminei por falar das crianças de rua. Considerando que o livro fala sobre elas, ainda está valendo.

Começemos do começo; aí vão as minhas fontes de inspiração.
Segue trecho do livro de Jorge Amado.

"A criada, que lhe trouxera o prato cheio, dissera mirando as ruas, o sol de inverno, os homens que passavam sem capa:
- Tá fazendo um dia lindo.
Essas palavras foram com Pirulito pela rua. Um dia lindo, e o menino ia despreocupado, assoviando um samba que lhe ensinara o Querido-de-Deus, recordando que o padre José Pedro prometera tudo fazer para lhe conseguir um lugar no seminário. Padre José Pedro lhe dissera que toda aquela beleza que caía envolvendo a Terra e os homens era um presente de Deus e que era preciso agradecer à Ele. Pirulito mirou o céu azul onde Deus devia estar, agradeceu num sorriso e pensou que Deus era realmente bom. E pensando em Deus pensou também nos Capitães da Areia.
Eles furtavam, brigavam nas ruas, xingavam nomes, derrubavam negrinhas no areal, por vezes feriam com navalhas ou punhal homens e polícia. Se faziam tudo aquilo é que não tinham casa, nem pai, nem mãe, a vida deles era uma vida sem ter comida certa e dormindo num casarão quase sem teto. Se não fizessem tudo aquilo, morreriam de fome porque eram raras as casas que davam de comer a um, de vestir a outro. E nem toda a cidade poderia dar a todos.
Pirulito pensou que estavam condenados ao inferno.
Pedro Bala não acreditava no inferno, Professor tampouco; riam dele. João Grande acreditava era em Xangô, em Omolu, nos deuses dos negros que vieram da África. O Querido-de-Deus, que era um pescador valente e um capoeirista sem igual, também acreditava neles, misturava-os com os santos dos brancos que tinham vindo da Europa. O padre José Pedro dizia que aquilo era superstição, que era coisa errada, mas que a culpa não era deles.
Pirulito se entristeceu na beleza do dia. Estariam todos condenados ao inferno?
O inferno era um lugar de fogo eterno, um lugar onde os condenados ardiam uma vida que nunca acabava. E no inferno havia martírios desconhecidos mesmo na polícia, mesmo no reformatório de menores. Pirulito vira há poucos dias um frade alemão que descrevia o inferno num sermão na igreja da Piedade. Nos bancos, homens e mulheres recebiam as palavras de fogo do frade como chicotadas no lombo. O frade era vermelho e de seu rosto pingava o suor. Sua língua era atrapalhada e dela o inferno saía mais terrível ainda com as labaredas lambendo os corpos que foram lindos na terra e que se entregavam ao furto, ao manejo do punhal e da navalha. Deus, no sermão do frade, era justiceiro e castigador, não era o Deus dos dias lindos do padre José Pedro. Depois explicaram a Pirulito que Deus era a suprema vontade, a suprema justiça. E Pirulito envolveu seu amor a Deus numa capa de temor à Ele e agora vivia entre os dois sentimentos.
Sua vida era uma vida desgraçada de menino abandonado e por isso tinha que ser uma vida de pecados, de furtos quase diários, de mentiras nas portas das casas ricas. Por isso, na beleza do dia, Pirulito mira o céu com os olhos crescidos de medo e pede perdão a Deus tão bom (mas não tão justo também) pelos seus pecados e os dos Capitães da Areia. Mesmo porque eles não tinham culpa.
A culpa era da vida..."

Abaixo, resolvi transcrever o artigo "Retrato de um Brasil Injusto", de Washington Araújo, que achei, por acaso, na internet.

"'Eles estão na Praça da Sé, em São Paulo, mergulhando nas fontes da Glória, no Rio de Janeiro, e nos sinais de trânsito de Brasília. Estão em todos os lugares, como se fossem onipresentes, a estampar seu uniforme: roupas encardidas, literalmente descamisadas, brincando em volta de uma árvore, adormecidos em um banco de praça. Esse é o retrato de um Brasil que luta para chegar ao Primeiro Mundo.'
Com a crescente preocupação dos organismos internacionais, o Brasil viu-se na liderança dos países com a mais cruel estatística, aquela que aponta para o imenso número de menores exterminados, os meninos de rua que, sem cerimônia, nos oferecem a verdadeira realidade brasileira: miséria e fome, ante-sala nacional da delinqüência. O drama dos menores abandonados é uma ponta do nosso iceberg social. São cerca de 4.000 crianças de rua assassinadas por ano no Brasil. A angústia de nossos "meninos do Brasil" foi bem sintetizada nesses versos de Ângela Diniz Dumont Teixeira: "Sou cidadão de que país?/ Sou herói de qual história? / Que bandidos terão roubado meu direito de viver minha vida de menino?". Enquanto não olharmos o rosto de um menino de rua como se fosse o rosto de um filho nosso, continuaremos a assistir uma tragédia que mata diariamente um pouco do Brasil.
Uma recente pesquisa do governo federal sobre moradores de rua no Brasil apontou para os seguintes números: 20.000 pessoas moram nas ruas em 17 capitais. Nesse número não estão inclusos os desabrigados do Rio de Janeiro e de outras 9 capitais brasileiras. Somente na capital paulista, 10 mil pessoas vivem ao relento. A pacata Niterói tem 0,3% de sua população vivendo a céu aberto; são 1.300 desabrigados. Outros dados nos fazem aprofundar a questão. Desses desvalidos, 85% são homens, a idade média é de 37 anos, sendo que 40% vivem de caridade.
Um país com tantos recursos naturais, blindado - até hoje - contra terremotos e furacões e com um povo sempre visto como solidário, certamente não deveria conviver com números dessa magnitude. Pra variar, o grande vilão continua sendo a perversa má distribuição de renda que temos. Ter abrigo, antes de ser um direito humano, é também um direito dos bichos, dos animais. Voltaremos ao assunto."

Essencial.
Eu, a princípio, iria discorer apenas do livro. Mas procurando uma foto - que teria de ser chocante -, resolvi incluir também o artigo.
Essenciais.
Ambos (o livro e o artigo) nos fazem pensar um pouco em como as crianças de rua não são crianças de rua porque quiseram ser, mas porque essa condição lhes foi, de alguma forma, imposta.
É uma coisa banal na qual nunca pensamos quando vemos uma dessas crianças.
Me fez pensar que elas não merecem grande parte dos olhares, das palavras ou mesmo dos pensamentos que lhes são dirigidos.
Me fez lembrar que elas ainda são crianças - você também se lembra disso quando vê alguma delas? Ou, assim como a maioria, você já as tachou de "marginais"?
Crianças.
Não sei se é assim para todos, mas essa palava me sugere algo suave. Algo despreocupado. Algo que depende de nós e cujo futuro pode mudar o mundo. Faz com que eu ouça risadas e músiquinhas de brincadeiras de roda.
Crianças; elas gostam de brincar, de atenção, de carinho, de aprender coisas novas. Aquelas que sentem algum prazer em furtar ou xingar, o sentem apenas porque essa é a única coisa à qual têm acesso.

Termos a sorte de poder desfrutar de alguma estabilidade financeira não nos dá o direito de achar que temos o direito de não nos misturarmos com elas. Muito provavelmente é o fato delas estarem ali que dá estabilidade financeira à alguém já abastado.
Não podemos esquecer que elas também são seres humanos. E que merecem ser tratadas como tal. Dormir na rua, não ter o que comer, não ter carinho ou alguém que lhes ame e dê um mínimo de atenção faz com que até essas crianças esqueçam que são seres humanos. E como explicar para elas que estão erradas?

Criança precisa de tempo para sorrir. Para ser criança.
E nós não podemos nos fechar num mundinho nosso e esquecer que elas existem e que precisam de nós.
Estarem aonde estão, viverem como vivem, não foi uma opção.
Não devemos agir com elas como se elas tivessem escolhido aquela vida.

Começo a achar que a palavra "criança" deveria mesmo era me sugerir algo triste; digo, algo real. Deveria me sugerir a dificuldade de ser criança e ter que agir como homem ou mulher.
Deveria me sugerir.
Deveria?
As vezes até dá para entender porque as pessoas não fazem nada por essas crianças e a maioria absoluta prefere nem sequer pensar nelas.
Imagine o que seria da sua vida se você tentasse resolver os problemas de todas essas crianças?
O grande erro das pessoas - e confesso que, por enquanto, me incluo nesse grupo - está em realmente acreditar que enlouqueceria; mas o que não nos damos conta é que enlouqueceríamos se tentássemos sozinhos.
Podemos mudar o mundo. Desde que esse seja um ideal de todos.

[Tente fazê-lo entender o que é ser criança.]





Definitivamente, o post que me deu mais trabalho.