engatinhando
9 de julho.
Faz tempo, mas ainda lembro.
Acordei e não olhei pro céu. Não tive tempo. Ouvia um ruído irritante, e vozes e coisas que não faziam parte de mim, que chamavam a minha atenção e me chamavam pro andar de baixo.
O dia começou um caos.
O caos começou naquele dia; e nunca acabou de fato. Confesso, não precisaria de tanto barulho, de toda aquela tempestade. Mas ele achou que precisava e fez o pôde pra tentar incomodar.
Eu me lembro.
Das conversas, das discussões, das ameaças. Das milhares de lágrimas que rolaram. Da dor da decepção e de saber que não, não era tão ruim assim, mas que saber disso não faria doer menos. Nada acontece por acaso.
Aquilo era só uma fase, nós iríamos sobreviver, juntas, e seríamos melhores - como aconteceu; como acontece.
Me lembro de tudo o que me fez crescer. E de tudo o que te fez ser menor em mim.
Lembrei que eu achava que o super-homem não precisava saber voar pra eu ter certeza que ele existia. Descobri que ele não existe e que perdi tempo achando que ele era você.
Mas tudo bem, todos somos humanos.
Eu me tornei melhor. Aprendi a ser forte - ou a passar essa imagem. Aprendi que podia segurar mais do que eu imaginava, pelo tempo que fosse preciso. E consegui.
Eu sobrevivi. E sem você, minha vida se tornou melhor.
De alguma maneira, associo a sua imagem à dias escuros, dias chuvosos, àquelas paredes cheias de rabiscos da casa que nunca tinha sido pintada. Ao meu medo, ao meu choro.
Apenas alguns punhados de sorrisos me vêm à cabeça. Em 13 anos, me lembro mesmo de um ou dois momentos bons. Até os 13 anos.
Mas depois você fez a melhor coisa que poderia ter feito por nós: foi embora.
Foi morar com outra, gastar com outras despesas, esqueceu de ligar para dar parabéns nos aniversários, no natal, para dar boa noite. Também se esqueceu de ficar dando broncas sem motivo, enchendo o saco sem motivo, me impedindo de ir viver, de me deixar ver as coisas com os meus próprios olhos. Eu tive muita sorte: eu tive mais tempo de curtir a minha vida do que qualquer outra.
Não me interessa o que eu perdi, ou melhor, o que eu nem sequer tive. Acho que não senti falta mesmo.
Faz tempo.
Você me decepcionou e tudo o que esperei foi seu silêncio. Era só o que eu precisava, o que eu merecia e sabia que você podia me dar. Mas nem isso. No lugar, você me trouxe esperança.
E como uma criança que vai a um lugar novo achando que é o melhor do mundo pelo simples fato de não conhecê-lo e poder especular isso, eu fui. Eu peguei a esperança que você me deu, coloquei no bolso e levei comigo.
Mas chegando lá, percebi que a tinha perdido no caminho.
Que nada mudou. Ou quase nada.
Não sei.
Olhei pra dentro de mim e vi que não faz tanto tempo assim. Que a ferida ainda dói.
Não quero que você finja me dar aquilo que você nunca teve.
Não finja, eu não peço nada. Não sou egoísta, fui criada pela minha mãe.
E só por isso, por ela ter me ensinado assim, que vou estar aqui quando você precisar.
Apenas não quero que minta pra mim, de novo.
Porque, sinto-lhe informar, cabelo branco não é sinal de sabedoria.
E não, o mundo inteiro não está contra você.
Eu, menos ainda.
Quando eu penso que sei, que aprendi, que posso lidar com as coisas, eu quebro a cara. As pessoas me colocam em cheque, as situações me deixam embaraçada, me sufocam. Me desespero e vejo que isso acontece justamente porque eu sou muito pequena, ainda. Porque há muito o que aprender e eu não sei de nada.
De novo: dor não é algo ruim, lição de moral não é uma coisa ruim e críticas são bem vindas.
Vou aprender a lidar com isso e com o fato de que ninguém nunca vai te conhecer como você gostaria e que você também nunca vai conhecer ninguém como imaginava. Que não se pode esperar muita coisa dos outros, apenas aceitar o que eles podem lhe dar. E consultar um psicológo pra entender todo o resto.