être
Ele dizia que gostava mesmo era deitar ao lado dela e se cobrir com as mesmas cobertas que ela. Depois, devargarzinho, ia colocando o seu pé junto ao dela.
Era aquele carinho simples que fazia com que ele soubesse que estava em zona desmilitarizada, por pior que tivesse sido o dia e por mais que eles tivessem brigado.
Fazia tempos que ela pensava nele. Não como antes.
Pensar.
Pensava que ele nunca a esqueceria. Pretensão? Não. Apenas certeza de que tinha sido, no mínimo, a primeira a inventar aquele papel.
Aquele pelo qual ele se apaixonou mas teve medo de dobrar e guardar no bolso - e saiba que o tamanho era bem propício.
Passou um vento - ou alguém passou uma vassoura, ainda não inventei essa parte - e levou embora os olhares, os toques carinhosos e descompromissados, os abraços, os beijos e até mesmo as vozes.
Teria sido real mesmo?
Ainda que não saiba exatamente o que ela seja ou para que tenha vindo, ela vai ficar na memória simplesmente por ser. Por ser e estar.
Engraçado.
Uma coisa que o vento não levou - e nem poderia! - foi a internet. Ela fez com que se formasse entre eles algo que, por mais sutil que seja, é real.
Ele fica ali. Ali, em algum lugar - que ela julga ser tão real quanto Plutão; ele e o lugar onde habita. Ele existe, eu suspeito.
E ela fica aqui. Ela existe, tenho certeza. Ou não.
Quando lhes dá vontade, eles escrevem; isso eles tinham em comum. Possivelmente seja isso que os una e eles não saibam.
Enfim, o que acontece é que ele escreve; ela escreve.
Nada particular, eles jogam tudo por aí, pelo universo. Aí ele procura por ela, sem que ela saiba, e descobre as coisas pelas quais se apaixonou e pelas quais a odiou. Talvez fique triste por ver o que perdeu ou fique feliz justamente por ter perdido.
E ela faz o mesmo. Até quando não tem vontade. Para tentar entendê-lo ou para criar coragem de dizer que ela também não esqueceu dele, ao menos não pra sempre; para admitir que ele também inventou um papel que ainda não tinham inventado. Um papel que mesclava o vazio do coração com a imensidão da mente ou talvez o vazio da mente com a imensidão do coração; acrescido de alguns milhares de segredos e desejos escondidos dentro de um olhar. Um papel dele, consequentemente irritante, intrigante e initeligível. Mas ainda assim original; nos prós e nos contras.
Era ali, na frente do computador, que eles liam as cartas escritas para serem lidas, mas jamais entregues e que faziam com que os pés deles se tocassem.
Os pés; em algum lugar do espaço real ou virtual.
[O filho bastardo.]