under your feet
Sensível. E quando isso acontece, escrevo coisas muito minhas.
Me perguntaram e eu não respondi.
"Rola um valor?"
Há algum tempo, meus conceitos, principalmente de "valor", foram abalados por um terremoto. Olhei em volta e vi que pra mim, não havia nada ali. Não sobraram muitos valores. E muito menos a coragem de admitir que alguma coisa tinha valor depois de tudo.
Deixei de acreditar em um mundo de coisas.
Falar que é preciso saber a hora de ir embora é uma coisa, mas fazer é outra. Demorou um pouco, mas eu consegui. Me mudei; nem sequer fiz as malas, não havia nada dali que eu quisesse levar. Fui. E pronto.
Descobri que há um outro tipo de solidão, uma bem arrumada e de maquiagem convicente. A gente olha pra ela e tem vontade de rir sem saber porque. Acho que porque não nos sobrou mais nada.
O fato é que é preciso haver a dor para que haja todo o resto. Se não tivessemos idéia do que é ruim, como poderíamos reconhecer o que é bom?
Valor.
Eu valorizo coisas diferentes. Ou as mesmas coisas de uma maneira diferente, muito mais intensa.
Eu, em primeiro lugar. Mas primeiro mesmo. Chega de tentar encaixar as pessoas nas minhas músicas, de tentar fazer alguém caber num lugar onde só cabe um, de tentar fazer diferente só pra ficar bonito e ir dormir fingindo que tá tudo certo. A pessoa certa, se é que ela existe mesmo, entra na nossa vida e flui. Não somos nós que tentamos encaixá-la. Ele simplesmente cabe, ela pertence a nós. E nós dormimos com o sorriso dela; isso basta.
Em segundo lugar, os amigos; mas só aqueles que valem a pena. Que de uma forma ou de outra, nós sempre sabemos quem são e sempre estão aí para nos dar um abraço, até quando menos merecemos.
Em terceiro, minhas músicas e meus filmes. Porque eu posso me apaixonar por eles sempre e toda vez, que nunca vou estar enganada. Eles nunca me decepcionarão. Eles nunca mudarão. Eles entraram na minha vida de um jeito e toda vez que eu procurar por eles, eles estarão lá, do mesmo jeito, caso eu precise ouvir de novo e mais uma vez o que eles têm a me dizer. E a melhor parte, é que eles vão aumenter ou diminuir de forma ou tamanho quando eu precisar ver algo que não sou capaz de ver sozinha. Estabilidade. Ou os chacoalhões que eu precisar.
Em quarto, as coisas pequenas. Daquelas minúsculas, que a gente pára de respirar senão vai estragar. Aquelas que são tão reais que as vezes fechamos os olhos para não vê-las.
Se ele tem valor?
Sim, ele é tudo o que eu quero agora.
Ele é "apaixonável". Não digo que o amaria, eu nem sequer o conheço. Só "apaixonável".
Namoraria com ele agora, um relacionamento aberto, por enquanto. Por um bom tempo. Até ser o bastante. Se for, um dia.
Cuidado para não pintar um mundo aos seus pés.
Nem sempre é assim que funciona.
O problema é que as coisas nunca fucionam. Ou param de funcionar quando achamos que estão funcionando e que fazem sentido. E que nós as merecemos.
Porque eu não fui fria o bastante pra ver que tinha alguma coisa fora do lugar. Ou até tenha visto algo errado, mas não fui capaz de perceber sua relevância. Julguei insignificante.
Um mundo aos meus pés me basta; é tudo o que eu preciso.
Não quero achar nada real, nada eterno. Não quero achar que vai dar certo, que minta pra mim para ser sincero. E se nada existir de fato, não corro esse perigo.
Tudo bem, eu sei que isso passa. Um dia vou parar de olhar pras coisas que eu pinto no chão.
Mas por enquanto, tudo o que eu preciso está em baixo dos meus pés. Não quero mais nada.
Sabe, hoje eu vi um diálogo interessante.
Ele olhou pra ela, querendo dizer algo. Ela olhou pra ele, querendo dizer que ele não tinha nada pra dizer pra ela e que ela não queria ouvir mais nada.
Mas ele tentava porque ele precisava. Eles tinham combinado de ficar juntos pra sempre e ele tinha estragado tudo. Ele precisava continuar tentando pra que não doesse tanto quando pensasse nos dois e em como era cruel o fato de eles não existirem mais.
Mas ela o impediu de dizer algo. Fazia um tempo que tinha dito pra ele que não tinha nada a dizer, mas era mentira. O problema era que tudo o que ela tinha a dizer ninguém podia escutar. Ela o interrompeu.
Devagar e todo dia mais um pouco, você vai deixando de existir. Como você queria.
Você acabou com tudo, tudo o que fomos e tudo o que poderíamos ser. Não, não trouxe comigo os bons momentos, a melhor parte de nós. Não trouxe porque não quero olhar pra uma foto bonita e pensar que aquilo acabou e ninguém ser capaz de dizer porque. Nem você mesmo, que destruiu tudo com as próprias mãos.
Não lhe dou o direito de dizer mais nada porque não quero que sua dor diminua quando você pensar que tentou até o final. O final já chegou faz tempo e você vai ter que carregar a culpa por isso. E vai carregar sozinho. E vai sofrer sozinho.
Cada um tem o que quer merecer.
Não há mais nada pra você aqui.
O show acabou sem aplausos.
As cortinas caíram e estragaram todo o cenário.
Tudo bem.
Vi um mundo muito interessante aos meus pés.
Vou me apaixonar por ele o tempo que eu precisar.