segunda-feira, 7 de maio de 2007

conto

O dia se fazia mais feliz e iluminado quando ela chegava. E ele sabia que nada poderia ser mais perfeito.
Casaram-se.
Casamento simples, cerimônia simples, festa simples; eles precisavam apenas um do outro.
E todo dia tudo era demasiado perfeito para ser verdade. E ainda que não acreditassem que não era um sonho, eles não perdiam tempo se questionando e viviam cada segundo como se fosse o último.

Quando achavam que nada poderia estar melhor, ela engravidou. Deu à ele o que ele mais queria e assim que pegou a filha no colo, sentiu que ia explodir; que a alegria não cabia dentro dele.
Depois vieram mais dois - meninos - e ele se sentiu feliz, mas não mais completo.

Nenhum dos dois sabe dizer quando os segundos pararam de correr como se fossem os últimos. Deixaram as coisas apenas acontecerem e acabou que o tempo fez tudo gelar. Fez a magia virar tédio e as exceções fazerem parte do cotiadiano.

Ele foi desistindo de tudo aos poucos, sem preceber, e foi devagar que aquela euforia do copo de cachaça bebido socialmente passou a ser necessária. Já não podia mais se controlar. Julgou que o que o cercava não merecia seu olhar mais clínico e aceitou sem questionar quando lhe disseram que isso acontecia mesmo e que nada poderia ele fazer para mudar as coisas. Achava a sobriedade um fardo pesado demais para ser carregado e preferia passar a maior parte do tempo o mais longe possível de tudo.
Era incapaz de perceber o que perdia, de medir suas palavras e seus atos e de compreender que as coisas só estavam como estavam porque ele não fez nada para que elas fossem diferentes.
Na sua mente banhada na aguardente, imaginava que a culpa era dos outros.

Até quando?
Até onde?
Para que saber os limites quando sua presença era tão incômoda que se tornara invisível, insignificante?
E perdia tudo. Perdia todos. Se perdia de si e se perdia do mundo.

O fato é que alguém, em algum momento, esqueçeu de lhe dizer que ele podia beber, desde que isso prejudicasse única e exclusivamente à ele.
Que se a realidade era pesada demais para que ele a carregasse, isso era um problema dele; o que não lhe dava o direito, de maneira alguma, de tratar mal as pessoas que o cercavam. De tratar a mal a mulher que, ainda que ele não queira admitir, cuida dele agora como cuida há tantos anos, aquela que o fez perder o fôlego e que, um dia, o fez ser completo.

Aonde foram parar o respeito, a lealdade e, acima de tudo, o amor?
A minha teoria é que foram afogados num copo de cachaça, num bar qualquer.
Sabe-se lá porque as pessoas afogam o que realmente importa naquilo que as distrai.

[Lamentável, meu caro Watson.]