sábado, 9 de dezembro de 2006

flying away

Certa vez a questionaram de quando havia aprendido a voar. Ela parou e pensou. Respirou fundo antes de responder que não se lembrava da última vez que andara e nem sequer se aprendera a fazê-lo.
Em sua mente, havia apenas resquícios de sua primeira queda, na primeira vez que se arriscou a ver o mundo de outro ângulo. No início, não foi fácil, mas aprendeu como ninguém. Descobriu uma nova forma de encarar tudo - a vida, o mundo, as pessoas, os sentimentos; tudo - de um jeito tão magnifíco como jamais sequer imaginou que fosse possível.
Tudo fazia mais sentido lá (e fazia mais sentido justamente por não precisar fazer sentido algum). Ela via tudo de cima e não por ser superior ou especial, apenas por estar disposta a olhar de um jeito incomum, assistir à tudo e a aprender com tudo. Gostava de ver as pessoas e seus problemas e como elas os criavam - ou não - e os solucionavam. Às vezes, discordava do modo como elas pensavam e em outras vezes, achava errado como elas agiam mas não opinava nem criticava. Apenas via-as crescer ou se afundar em algo que não valia a pena e ficava feliz em pensar que as pessoas podiam aprender algo com suas vitórias ou suas derrotas, bastava estarem dispostas. E foi assim que ela foi aprendendo a aprender com os erros dos outros.
Aprendeu a interpretar as coisas e a agir de uma maneira diferente. Uma maneira dela. Por ser pequena flor, aprendeu que o valor de alguém é medido por seus atos e não por seu tamanho e também aprendeu que tinha que crescer, que tinha que ser grande mesmo que pequena, que tinha que dar um sentido à sua vida e estava sempre pensando em como ser melhor, como pessoa - ainda que, por passar a maior parte do tempo lá no alto, sua definição se tornasse complicada.
E depois do vento no rosto, de poder sempre ver o horizonte, de ficar mais perto do sol e de algo que ela não entendia muito bem o que era mas sentia que era divino, ela se apaixonou e não quis mais voltar. E só se deu conta de que as pernas estavam praticamente atrofiadas numa tarde dessas, em que as pessoas param para pensar em tudo o que lhes aconteceu até então. Ela nem se importou porque já não queria mais voltar; sabia que estava no lugar certo.
Um dia, quando nos encontramos por aí, eu - um pouco mais abaixo - fiquei reparando em como ela ficava bonita lá. Era linda e olhar para ela feliz daquele jeito, era fantástico. Era quase como ouvir uma música que, de tão divina, não pode ser reproduzida ou descrita. É algo que só toca uma vez, pra você, e pronto: ecoa em toda a alma, ainda que nunca mais se repita. Foi aí que eu pude entender porque não deu certo: fazê-la descer era quase como um crime.
Ela aprendeu muito, muito mesmo, e foi diferente porque, daquela vez, ela sentiu. Não viu ninguém sentir e sentiu também, ela sentiu. Só ela e só daquela vez. Mas por mais que fosse dolorido, ela continuou em frente, rumo à onde-o-vento-a-levasse. Sem desanimar, ela seguiu voando pelas almas alheias que habitam esse mundo que, ela sabe, é imenso e é todo dela.

Valeu a pena. De alguma maneira, valeu a pena e ela não se arrepende: ela desaprendeu a não sorrir.

Um comentário:

Anônimo disse...

.

você é estranho.- disseram a ele. Já fora considerado excêntrico,
inconsequente, doente, louco, engraçado, tantos outros... Contudo, por mais que não desse atenção a adjetivos, dessa vez lhe pareceu correto que o chamassem dessa maneira. Ora, de fato ele se sentia assim, nada mais adequado portanto. sentia-se estranho ao olhar para frente e não poder antever as mudanças que aconteceriam; e ao buscar algum conforto no passado, percebia que não mais encontraria o seu lugar. Estranho também ver que seus pés pareciam instáveis fincados num presente demasiado volátil. Examinou o solo, sujo e inconsistente. Idéias movediças? Não, este definitivamente não é o meu lugar, mereço mais. Assim, levantou a cabeça e olhou para o céu, buscando alento. Riu-se, o sol não era mais do que uma branca sugestão, por detrás das pastosas nuvens de um dia pouco animador. Onde estaria o brilho quente daquelas tardes de domingo, sábado, terça? Percebeu que não adiantava mais se agarrar a pretéritos mais-que-perfeitos. Não mais acharia a solução para seus enigmas olhando para cima, a espera de asas que o transportassem para um mundo fascinante. Ninguém viria para resgatá-lo. Nem poderia, pois todos os seus conflitos nasciam e morriam dentro de si próprio. Sabia o que desejava, e não abriria novamente mão da liberdade que buscava para si. Nada que parecesse eterno e imutável lhe agradava, e seu desafio principal sempre fora buscar os círúrgicos momentos de perfeição, que tornavam sua vida completa. Não poderia negar o quanto foram mágicos aqueles momentos, nem que os levaria para todo o sempre, e menos ainda o quanto a saudade o preenchia de enlevo. Não seria isso então, a eternidade? O seu 'para sempre' era aquilo que trazia consigo. Não era o choro pela ausência, mas sim o sorriso pela presença. Quem sabe era isso que o motivava a querer manter-se sempre presente. Ao perceber que as lágrimas eram derramadas com tanta rapidez quanto os sorrisos se abriam, se assustou, se sentiu injusto. Quem sabe, injusto era o
pensamento que delineava agora. Pois sim, sabia o que desejava, mas também conhecia como eram traiçoeiras as curvas da estrada
percorrida. Queria o brilho no olhar, o sorriso sincero, o bem-estar, mas não saberia evitar a dor. Sua talvez egoísta luta interna não era a mesma luta que haviam pedido que travasse. Algo o incomodou e percebeu que sentia frio. O vento continuaria ventando, por mais que se agasalhasse. Não, não queria tudo de volta. Queria o novo? Sorriu pela presença. Depois chorou, sabe-se lá o porquê. Lera em algum
lugar que nada fazia sentido. Concordou. Cansou-se. Calou-se.